domingo, 27 de fevereiro de 2011

 

 

O  RETRATO  DA    PAREDE


   

Maria de Lourdes subia lentamente os degraus da escada que levavam a seu quarto no andar de cima. Estava cansada e uma inquietação tomava conta dos seus pensamentos.  Sentia-se desanimada, triste, decepcionada. Eram tantos problemas, tantas coisas erradas, tanta incompreensão... A vida lhe parecia agora, com o passar dos anos, um tanto sem sentido, sem razão de ser... Os filhos crescidos, casados, os netos aparecendo mas haviam muitos problemas que toldavam a felicidade que deveria haver.
        Para que lutar?...   Por que  não ter paz?   Tinha até perdido a vontade de viver. 
        De repente parou!  Sentia-se paralisada. Parecia estar presa ao chão sem poder mover-se... Ouvia vozes distantes a princípio, mas foram ficando mais audíveis e agora estavam ali bem ao seu lado.  Virou-se e viu!....  Na parede ao lado da escada havia algumas fotografias e entre elas um retrato antigo da sua família, tirado há 58 anos atrás na casa dos seus pais.  Na foto estavam os dois irmãos, os pais, ela e as quatro irmãs.  Os pais e um irmão já tinham morrido e os outros viviam em outras cidades. 
          Era daquele  retrato da parede que vinham as vozes que ouvia. Olhou fixamente e viu que todos  mexiam os lábios falando ao mesmo tempo, mas ela não conseguia entender o que diziam.
            Perplexa, vendo aquelas pessoas, que estiveram ali no retrato  imóveis há anos, parecendo agora  estarem possuídas de uma energia incomum e desejando falar  e manifestar-se.
            Ouviu nitidamente a voz de seu pai, pondo ordem:
            - Calma   pessoal !  Cada um fala na sua vez. Vamos iniciar  pelos que ainda estão aqui  e vivem  nesse planeta.  Depois falamos nós que já partimos. De acordo?
           Todos concordaram com um murmúrio e o pai então continuou:
            -Começamos pela caçula. Vera Maria pode falar.
 Maria de Lourdes parada no meio da escada, com os olhos arregalados,  fixos na imagem do seu pai, só desviou o olhar quando sua irmã mais nova, com quem havia falado há poucos dias pelo telefone, se movimentou no retrato.
-  Oi querida, disse ela.  Estás  surpresa?  Percebe-se!...  Só quero te dizer que te quero muito bem e até desculpar-me,  pois quando éramos crianças foram muitas vezes que eu  me aproveitava por ser a menor, para tirar certas vantagens de nossos pais, e te passar para trás.  Mas agora a vida me ensinou tantas coisas. Nada é assim tão fácil e não se consegue ludibriar o destino.  Mas, sou feliz sabias?  Sou feliz do meu jeito, a minha maneira, com as dificuldades financeiras que sabes que tenho, sou feliz porque tenho forças... Porque acredito...    Sinto saudades do passado, mas luto no presente para que meus filhos possam ter  sucesso e viverem melhor. Tu tens me ajudado com exemplos e persistência...
- Chega...chega  já falou muito, dizia a outra irmã Stella .
Maria de Lourdes olhou para a fotografia e via a irmã gesticulando . O cabelo cortado com franja, que ela não gostava e prendia para os lados, fazia o seu rosto redondo parecer ainda mais cheio.
            - Detesto estar com esse uniforme do colégio. Não sei  porque a mãe colocou em nós duas esse uniforme para fazer essa fotografia.  A Verinha está de vestido de festa e nós desse jeito.  Mas não era isso que eu queria falar e sim das leituras maravilhosas que tenho feito sobre a vida depois da morte. Sei que gostas muito de temas espirituais Tenho lido coisas sobre o que existe realmente do outro lado, e fazendo um sinal com os olhos apontava  para o pai,  a mãe e o irmão, já falecidos  e dizia baixinho : “eles já sabem”.  Olha só, Maria de Lourdes, nossa vida aqui é um exercício, que se for bem feito, nos abre passagem para outras oportunidades, menos sofridas do que esta.  Poderia ficar te falando do que tenho lido, mas o mano Cícero já está me beliscando que é a vez dele. Mas eu volto a falar qualquer dia!
- Oi mana!  È Cícero.   Que bom falar contigo. Não repares muito nessa roupa esquisita que estou vestindo. Não entendo porque não estou de calças compridas, afinal olha só o meu tamanho e ainda com essas pernas finas e compridas.  Mas eu quero mesmo é dizer que te amo muito e te admiro porque és muito parecida comigo. De novo estou falando de mim  mas eu me acho importante e zelo pelo meu bem estar e da minha família. Meu cabelo também não está muito bem nessa fotografia, mas tu sabes que eu sou  mais bonito. Um beijo mana e te  cuida !
           Maria de Lourdes já mais tranqüila e adorando ouvir sua família, que estava se mostrando com suas fraquezas, virtudes, culpas e angústias, temia interromper aquele colóquio e não se mexia do lugar.
            -  Ei, agora sou eu, a Ruth. Não podes deixar de lembrar o quanto eu cuidei de ti, lembras?   Eras muito  linda e a mãe te vestia de azul e branco  por causa de uma promessa, mas eu é que tinha de te carregar pra lá e pra cá.  Mas valeu, aprendi muito com isso e depois pude aplicar esses conhecimentos com os meus filhos. Tudo certinho,  muita responsabilidade, muita fé, muita oração. É assim que a vida deve ser vivida. Acho que ficamos muito ligadas e às vezes me pareces minha filha e não irmã, sabias?  Deus está atento as  tuas necessidades é só pedir.
Maria de Lourdes ficou pensando no que ouvira da irmã. Ela também às vezes pensava  assim.
-  Muito bem , finalmente chegou minha vez. Sou eu,  a Themis a irmã mais velha mas muito inteira ainda !  Na verdade nestes dois últimos anos tive um baque grande e sofri uma perda enorme com a morte do meu marido,  mas sei que a vida é feita de perdas e de ganhos. Deves saber disso também.  Essa fotografia em que estamos todos fui eu quem te dei, lembras?  Eu a adoro porque mostra quanto nossa família  foi perfeita. Fizemos tudo o que tínhamos o direito de fazer, tivemos pais maravilhosos, vivemos dias inesquecíveis e sempre nos mantivemos unidos o que é mais importante. Estou muito bem com os meus filhos. Não te preocupes comigo e não descuides de ti.
  O pai de Maria de Lourdes,  com voz emocionada falou:
-  Agora é a nossa vez, nós que já partimos e queremos falar também a ti filha muito amada. É você primeiro filho.
Maria de Lourdes agora com os olhos cheios de lágrimas tentava reprimir os soluços.
         -  Pois é, sou teu irmão mais velho o  Flávio, cadete, oficial, coronel, general... Fui tudo isso e agora estou aqui e feliz. Tenho pouca coisa a dizer. Estou bem, me preparando para uma nova missão consciente dos erros que cometi, das vezes que falhei, principalmente com relação aos meus familiares.  A família, querida irmã, é um bem inestimável e nada pode ser mais importante.  Quando ela é desconsiderada as conseqüências serão inevitáveis e desastrosas. Tua família é teu porto  seguro.  Zela por ela, faça teus filhos compreenderem o seu valor e tua vida terá valido a pena.  Seja muito feliz!
Maria de Lourdes já não continha a emoção. Ouvir a voz do irmão morto há tantos anos, com o mesmo jeito tímido de falar foi demais para seu coração.
- Quem fala agora, Tida, eu ou você ?
-   Falo eu, Vicente ! disse a mãe.
Maria de Lourdes não tirava os olhos do rosto de sua mãe, tão bem vestida com aquela gola branca de organza plissada sobre o vestido preto, a postura das mãos segurando a bolsa, o cabelo muito bem arrumado com bom gosto, tudo muito discreto.
-   Filha, disse a mãe, não fiques triste por nós. Teu pai e eu estamos felizes ajudando a quem precisa, orientando os que estão sem rumo. Estamos orgulhosos de vocês todos. Vimos teu irmão Flávio seguidamente, ele também presta serviços importantes e se prepara para uma viagem distante.  Nosso trabalho aí não foi em vão. Vocês estão  fazendo a sua parte, como nós fizemos a nossa. Tens sido uma boa mãe. Não te culpes  pelo que não deu certo. Existem coisas que não podemos interferir e nada pode ser perfeito neste plano que estás. Não desanimes, teu caminho é lindo. Siga em frente com a minha benção!
-  Minha  mãe...falou   baixinho Maria de Lourdes, ...minha  mãe...
-  Muito bem, agora falo eu... o pai.... Filha querida!  Parabéns pelo que tens feito. Tenho acompanhado teu trabalho literário, teus ensaios, tuas crônicas. Estás no caminho certo. Não desista.  O sucesso não chega rápido. Ele se faz esperar, é caprichoso, é fruto de persistência, requer paciência. O que vale é a tua vontade de escrever...Escrever o que deve ser escrito. O que vale é a mensagem que passas e que atinge os que te cercam e os que te lêem. O que vale é o que sentes e o que expressas, é o que eu sempre fiz e continuo te ajudando a fazer, com a permissão do  Pai!  Siga em busca de mais conquistas, estaremos junto sempre, porque somos um só.
            Maria de Lourdes, tensa e estática, evitava até de piscar, para não perder nada, não deixar de ouvir nenhuma palavra.
            Então ouviu uma voz, que conhecia bem, a sua própria....mas não vinha dela e sim do retrato.
- Eu também falo. É um direito meu! 
             Todos riram.
 Devias te sentir envergonhada, como eu estou,  por ti.
- Por quê, balbuciou Maria de Lourdes, fitando a si própria, quando criança, no retrato.
- Não vês como tens motivos para ser feliz ?  Não ouves o que todos dizem?  Não percebes a alegria ao teu redor?   Não reconheces que Deus te deu, como filha e irmã, uma família exemplar, e agora como mãe, filhos maravilhosos, netos lindos e saudáveis?  Se isso não for o suficiente, que tal falar do teu marido, das tuas oportunidades, dos teus amigos e das vezes que eu, criança, me manifesto em ti, fazendo  que te entusiasmes, que brinques, que dances ?  Pense nisso e não te deixes mais abater por  pequenos ou grandes problemas, que fazem parte do  jogo da vida. Superá-los é como comer, uma a uma, as pedras do xadrez e, finalmente vencer!  As dificuldades estão ali, no tabuleiro da vida. A arte  e o mérito é  transpô-los e você pode fazer isso.
            Um barulho tirou Maria de Lourdes daquele estupor. A seus pés espatifou-se, em mil pedaços, o retrato que estava pendurado na parede. Jazia em cacos....
             O que teria feito o retrato cair?  Teria adormecido?....Sonhado?.....Por que estava sentada nos degraus na metade da escada?... E as vozes?
            Lentamente juntou os pedaços de vidro e olhou para a fotografia que tinha nas mãos.  Seria impressão sua, ou estaria mesmo vendo em todos os rostos um sorriso enigmático, que nunca vira antes, com um certo ar de  cumplicidade !....
      Respirou fundo, pensando em tudo que vira e ouvira, e subiu os degraus que   faltavam, apertando contra o peito, o retrato antigo.
            Sentia, de repente que era uma nova mulher, sem queixas, sem pena de si mesma, sentindo-se amada, feliz, e consciente do  que tinha de fazer !















As Pedras

                             AS      PEDRAS



         Carlos Drumond de Andrade compôs um belo poema intitulado “A pedra no meio do caminho” que reli há poucos dias. Dessa reflexão surgiu a idéia desse comentário , porque uma pedra no nosso caminho é coisa comum e ao mesmo tempo tem uma grande importância.
         As pedras estão lá, muitas vezes nos atrapalhando, nos fazendo mudar de direção, nos desviando da trilha escolhida, nos impedindo de passar...
         A pergunta que se faz é: “O que fazer com essas pedras”?
         Existe uma lenda que diz que um rei uma manhã olhou pela sua janela e viu uma enorme pedra no meio da rua e pensou. –“ se ninguém remover a pedra terei que mandar um soldado fazê-lo.” A tarde a pedra ainda estava lá e ele observou que as pessoas desviavam dela, mas ninguém a retirava.
        Durante a noite o Rei foi até lá.
        No dia seguinte colocou-se a  janela e viu diversas pessoas, que passavam mas ninguém se preocupava em tira-la dali. Quase a noite, ao entardecer, viu se aproximar da pedra um carroceiro humilde que com um tremendo esforço, com a ajuda de cordas e de seu cavalo conseguiu tirar a pedra do meio da rua. No momento que isso aconteceu o carroceiro percebeu  surpreso que embaixo da pedra havia uma carta do Rei,  e nela havia uma recompensa em dinheiro para quem removesse a pedra.
         Nós sabemos que não existe dinheiro embaixo das nossas pedras,  mas depende de nós, faze-las ter  alguma utilidade.
         Davi, o personagem bíblico, usou uma pedra para matar o gigante Golias e com esse ato ficou na história.
        As pessoas distraídas costumam tropeçar nas pedras criando ferimentos em seus corpos,  enquanto os homens do campo usam as pedras como assento para descansar  As vezes fazem delas cercados que dividem  ou  unem ,  que abrigam e protegem seus animais.
         Um escultor se encanta ao encontrar uma pedra que lhe sirva de matéria prima para fazer suas esculturas enquanto o construtor usa as pedras para sua construção e decoração.
         Muitos de nós ao encontrarmos uma pedra no nosso caminho, recuamos e desistimos do que planejávamos fazer sem nos dar conta de que essa pedra pode ser a indicação de uma nova estratégia para conseguir o que queríamos.
         O que faz a diferença nas pedras  que nos atravessam não são propriamente as pedras, mas o significado delas, a forma como as  pessoas reagem diante desses obstáculos.
         Uma pedra sempre é uma pedra mas um homem  ou uma mulher nunca são iguais e  a maneira como cada um transpõe, desvia ou retira a pedra do seu caminho é o que faz a diferença.
         Diante das dificuldades da vida,  é que  se dará a cada um o mérito de ter vencido a pedra ou de ter sido subjugado  por ela.
         As pedras na verdade são os fatores do nosso crescimento pessoal e a maneira como lidamos com elas, a forma como as vemos  e as possibilidades do que poderemos fazer delas é uma opção nossa.
         Seja qual for a pedra ou o tamanho que ela tiver, façamos dela um instrumento,  para que sejamos melhores a cada dia que passa.