sexta-feira, 6 de maio de 2011

A MESMA RUA

A   MESMA   RUA

                                    Maria de Lourdes Cardoso Mallmann

Hoje passei por lá, desci a rua
observando tudo com atenção!
As  árvores que ainda existem estão enormes.
Há algumas novas, outras mortas,
como as pessoas  de  então !

As casas que estão lá, deixam ver
alguns traços do passado...
Outras foram substituídas
Por prédios de concreto armado.

Fui andando e fui lembrando...
Aqui  a  farmácia...a esquina da loja antiga...
logo ali era o Bar onde se comprava picolé.
Quanta saudade!...
Na casa da minha  amiga
o muro ainda está de pé!

Continuo  caminhando...
Em cada pedaço que eu piso
eu sinto que é a mesma rua.
Só existe uma diferença,
que apesar do movimento
parece que ela está nua!

Chego afinal.
Era aqui que eu morava.
Faz tanto tempo...
Não existe mais a casa,
mais nada que eu queria.
Nem parece mais, ser este
o lugar em que eu vivia!

Fito os olhos na calçada
buscando recordação.
Reconheço cada tijolo desgastados pelo tempo,
cheios de sinais,  que me enchem de emoção!

Caminho sobre eles, lembrando...
Aqui era o portão de entrada, logo além o muro.
Procuro ver as imagens que estão claras na lembrança.
Vejo o gramado, o jardim, as violetas junto à casa,
a área grande da frente
E volto a ser criança!

Desperto do encantamento e olho e procuro
onde está o milagre que fazia
a rua ser mais bonita?
É a mesma rua de então, porém lhe falta o que eu via...
Falta o que era, falta a emoção
Da rua que eu conhecia!

Fico parada, olhando
 com tristeza e melancolia,
pensando na minha gente...
É a mesma rua, porém,
são outras pessoas que existem,
e  sou  EU,  que estou  diferente!

CONFLITOS

                          CONFLITOS

                                        Maria de Lourdes  Cardoso Mallmann                                             


Os  meus  conflitos, não são os teus conflitos...
Os   teus  conflitos também  diferem dos  meus...
O  que  é  então  que  nos  une,
que  nos  faz  tão  íntimos,
que  nos  impele a  juntos  caminhar?


O  meu  ser  é  diferente  do  seu.
Não  pode  ser  mudado  por  ti,  nem  por  ninguém.
O  meu  ser  é  meu  interior...
É o meu  querer,
é  o  meu  espaço,
é  o  meu  jeito  de  viver!


Eu  não  sou  como  querias  que  eu  fosse...
Nem  tu  és,  como eu  desejaria.
Contudo,  esses  conflitos  diferentes
fazem  de  nós  pedaços
que  se  unidos
aos  poucos  vão  nos  transformando  em  gente!

A história da Canjica

A HISTÓRIA DA CANJICA

                              
                                            Conto
                                                 Maria de Lourdes cardoso Mallmann
                                       
                                               
Desde menina eu costumava comer canjica nas noites frias, no aconchego da cozinha de fogão a lenha, onde a nossa família se reunia e os pratos de canjica eram servidos, quentes, saborosos.  Era canjica com açúcar, canjica com leite, e a minha preferida era canjica com vinho.
        Enquanto ao redor da mesa e do fogão comíamos, minha mãe passava as roupas da casa e contava  os acontecimentos do dia e “causos” de antigamente, que nós ouvíamos extasiados.
        Muitos anos depois, já casada,  com dois filhos, morando em outra cidade, lembrava-me seguidamente da canjica que me parecia uma coisa que tinha ficado no passado, como os meus sonhos de adolescente, até que um  dia ao voltar à tardinha do Grupo Escolar onde trabalhava como professora primária, passei pela casa da minha sogra , que era ao lado da minha, e senti o cheiro inconfundível de canjica.
-         Canjica?  Perguntei incrédula a mim mesma .
           Entrei na cozinha  e levantei a tampa da panela para certificar-me, quando Dona Julia falou:
        - Estou acabando de cozinhar.
        - Faz anos que eu não como canjica.
        - Venha mais tarde. Em pouco tempo estará cozida e pronta para servir.
Fui até minha casa, dei banho nos meninos e esperei meu marido chegar do trabalho, ansiosa para contar-lhe que iríamos á noite comer canjica na casa dos seus pais.  Quando ele chegou não pareceu muito entusiasmado com a notícia e até estranhou a minha expectativa.
        - Toda essa alegria por causa de uns grãos de milho?
        - Ora, não seja chato, vamos lá sim. Tua mãe está nos esperando... e eu dizia para as crianças :
        - Vocês vão comer uma comida muito gostosa que a vovó fazia, vão adorar!
Depois da janta, como combinado, fomos até a casa dos meus sogros. O cheiro da canjica enchia a casa de odores.  Sentamos ao redor da mesa, conversando alegremente, enquanto os pratos fumegantes eram servidos, mas fiquei decepcionada quando as crianças experimentaram  e não gostaram.  Mas nada impediu que eu comesse e me fartasse.
        - Não sabia que gostavas tanto de canjica, disse minha sogra,  nunca vi cozinhares na tua casa.
        - Nunca  cozinhei mesmo. Até nem sei porque. Acho que até havia esquecido que gostava tanto, até sentir  esse  cheiro gostoso, e voltar a ter vontade de comer.
        - Vou pedir para o Amadeu trazer do mercado para teres em casa.
        - Ótimo, estava mesmo pensando em comprar.
 Naquela noite até não dormi muito bem porque exagerei um pouco, mas em compensação sentia-me contente como se um pouquinho da minha infância tivesse retornado.
        Passaram-se alguns dias e num sábado à tarde estava tomando banho quando a minha sogra entrou em casa  e indo até a porta do banheiro falou:
        - Estamos voltando do mercado agora. Trouxemos a tua canjica. Deixei em cima da mesa da cozinha.
  ­      - Obrigada, já estou saindo.  Não querem esperar ?
        - Não, voltamos depois para tomar um chimarrão.
Saí do banheiro e fui até a cozinha e lá estava um saco de mercado com os famosos grãos amarelinhos. Era uma tarde fria. Meu marido tinha saído com os meninos para jogarem futebol numa  quadra esportiva perto de casa. O fogão a lenha, que tínhamos comprado há pouco, estava com a chapa reluzindo  e o fogo crepitando alegremente, envolvendo a casa toda num calorzinho delicioso.
- Está o clima ideal para a minha canjica, pensei comigo mesma, e à noite, já poderemos comê-la ao redor do fogo, como fazíamos na casa de minha mãe. Essa lembrança me pôs tão feliz que, sem titubear, passei a mão numa panela e despejei nela o saco de grãos. Coloquei água e pus no fogo, que avivei com mais uma acha de lenha.
 Andei pela casa arrumando uma coisa e outra e, de repente, ouvi alguma coisa chiando...
- tchiii...tchiiii...
 Era no fogão. A canjica havia crescido um pouco e a água estava derramando. Apanhei outra panela e despejei a metade dos grãos e tornei a pôr no fogo.  Em poucos minutos, pois a fogo era forte, tornei a ouvir os chiados:
-         trchiii...tchiiii...
       Corri lá e me assustei.   As duas tampas das panelas estavam levantando e os grãos, já inchados, quase saltando para fora.  Abaixei-me e procurei no balcão da cozinha uma panela maior. Não tinha nenhuma maior do que as que já estavam no fogo, então peguei uma média e dividi a canjica, um pouco de cada panela e pensei:
- Agora vai dar certo!
       Não passou muito tempo e as três panelas regurgitavam canjica. Parecia o milagre da multiplicação dos pães. Comecei a entrar em pânico! O que fazer?  Não havia mais panelas médias ou grandes. Só a leiteira... Foi pensar e, num segundo a leiteira estava cheia de grãos  a borbulhar festivamente!... Aliás, agora eram quatro panelas a borbulhar festivamente!...
       A essa altura eu já não saia de perto do fogão esperando para ver se o problema estava resolvido e rezando para que ninguém chegasse e visse aquele horror de grãos levantando as tampas, que não conseguiam ficar no lugar.
       A casa cheirava à canjica desde o portão de entrada até a área de serviço, mas dessa vez eu não achei maravilhoso aquele cheiro, e me perguntava:
- O que será que eu fiz de errado?    Na verdade eu nunca perguntei a ninguém como se cozinhava canjica. Nunca tinha prestado atenção àquele “modo de fazer”, e nem de leve eu suspeitava que ela crescesse tanto quando cozinhava.
       Felizmente, meu marido demorou a chegar e deu tempo do cozimento acabar, com uma ajudinha  que eu dei, despejando uma panela inteira  no vazo do banheiro e puxando a descarga,  para não deixar sinal e voltando a encher a panela com o excedente das outras.
 As quatro panelas agora finalmente, estavam calmas, mas cheias até as bordas de uma deliciosa canjica, que eu odiei!
       Nisso ouvi vozes que se aproximavam e percebi que eram os meus sogros que chegavam pelos fundos da casa. Iam entrar pela cozinha, o que fazer? 
       Sem pensar duas vezes escondi três panelas de canjica dentro do balcão, deixando apenas uma em cima do fogão.  Foi o tempo de fechar a porta do armário e eles estavam lá, admirando a panela sobrevivente da catástrofe de grãos.
   -Já cozinhaste um pouco?  Perguntou Dona Júlia, olhando a panela.
  - É, resolvi fazer!...
  O meu sogro então falou:
 - Agora tu tens canjica para muito tempo, pois eu trouxe três quilos!
        Tarde demais!




Destruição

                       CONSIDERAÇÕES


                                              Maria de Lourdes Cardoso Mallmann

                            D E S T R U I Ç Ã O

   Da janela do andar de cima  da minha casa eu assisto a demolição de uma casa velha...
  O barulho ensurdecedor da máquina entra em meus ouvidos assim como  a máquina pesada e deselegante entra pelo terreno e vai derrubando tudo  que encontra pela frente.
   A força dos motores exerce uma atração forte e eu não consigo deixar de olhar para as pás que escavam, derrubam, juntam e recolhem os escombros. Em  poucos minutos está tudo no chão destruído, esfacelado , acabado !
   Ponho-me a pensar na rapidez com que tudo aconteceu e comparo a destruição do prédio com a destruição do homem, do ser humano, com a destruição da integridade pessoal, a destruição profissional, a falência e até a própria vida.  Foi tão longa a criação, a formação e é tão rápida a sua destruição.
   Quando alguém constrói sua casa, um prédio, uma loja o faz da melhor maneira possível. Gasta até o que não tem para que a obra seja um sucesso, para que fique perfeita ou quase... O trabalho é de meses, artesanal, tijolo sobre tijolo, massa, ...tudo é medido, controlado e a construção vai se fazendo para alegria e orgulho do proprietário.
   Quando se criam filhos, acontece o mesmo. Uma criança é feita e sua Educação é construída, dia após dia....os cuidados vão se fazendo, as alegrias vão se somando, os medos , dúvidas vão se dissipando e as ansiedades vão dando lugar à certeza de um futuro promissor e feliz.
   O Prédio fica pronto, é inaugurado, ocupado enche-se de vida e de negócios bons...
   Um filho ou filha se torna adulto, constrói sua família, abre seu próprio negócio e o sucesso  parece ser permanente.
  É então, que surge a máquina assustadora e terrível da destruição. Pode Ter muitos nomes, pode ter muitas causas, mas as conseqüências são desastrosas.
  Essa máquina, assustadora destrói pessoas humanas, famílias, lares, destrói esperanças e sonhos...
   A destruição acontece e em poucos minutos todo um trabalho de criação se perde.
   É difícil ver um sonho destruído...
   É difícil ver um filho fracassado...
É difícil vermos máquinas destruindo e sermos impotentes em detê-las.
    Mas... o tempo passa e em breve se vê da mesma janela, que uma nova obra começa a ser construída sobre os escombros.  O coração se anima !
   A Reconstrução acontece...!
   Há uma esperança de que as pessoas também possam se reconstruir !
   É preciso acreditar!