sexta-feira, 6 de maio de 2011

A MESMA RUA

A   MESMA   RUA

                                    Maria de Lourdes Cardoso Mallmann

Hoje passei por lá, desci a rua
observando tudo com atenção!
As  árvores que ainda existem estão enormes.
Há algumas novas, outras mortas,
como as pessoas  de  então !

As casas que estão lá, deixam ver
alguns traços do passado...
Outras foram substituídas
Por prédios de concreto armado.

Fui andando e fui lembrando...
Aqui  a  farmácia...a esquina da loja antiga...
logo ali era o Bar onde se comprava picolé.
Quanta saudade!...
Na casa da minha  amiga
o muro ainda está de pé!

Continuo  caminhando...
Em cada pedaço que eu piso
eu sinto que é a mesma rua.
Só existe uma diferença,
que apesar do movimento
parece que ela está nua!

Chego afinal.
Era aqui que eu morava.
Faz tanto tempo...
Não existe mais a casa,
mais nada que eu queria.
Nem parece mais, ser este
o lugar em que eu vivia!

Fito os olhos na calçada
buscando recordação.
Reconheço cada tijolo desgastados pelo tempo,
cheios de sinais,  que me enchem de emoção!

Caminho sobre eles, lembrando...
Aqui era o portão de entrada, logo além o muro.
Procuro ver as imagens que estão claras na lembrança.
Vejo o gramado, o jardim, as violetas junto à casa,
a área grande da frente
E volto a ser criança!

Desperto do encantamento e olho e procuro
onde está o milagre que fazia
a rua ser mais bonita?
É a mesma rua de então, porém lhe falta o que eu via...
Falta o que era, falta a emoção
Da rua que eu conhecia!

Fico parada, olhando
 com tristeza e melancolia,
pensando na minha gente...
É a mesma rua, porém,
são outras pessoas que existem,
e  sou  EU,  que estou  diferente!

CONFLITOS

                          CONFLITOS

                                        Maria de Lourdes  Cardoso Mallmann                                             


Os  meus  conflitos, não são os teus conflitos...
Os   teus  conflitos também  diferem dos  meus...
O  que  é  então  que  nos  une,
que  nos  faz  tão  íntimos,
que  nos  impele a  juntos  caminhar?


O  meu  ser  é  diferente  do  seu.
Não  pode  ser  mudado  por  ti,  nem  por  ninguém.
O  meu  ser  é  meu  interior...
É o meu  querer,
é  o  meu  espaço,
é  o  meu  jeito  de  viver!


Eu  não  sou  como  querias  que  eu  fosse...
Nem  tu  és,  como eu  desejaria.
Contudo,  esses  conflitos  diferentes
fazem  de  nós  pedaços
que  se  unidos
aos  poucos  vão  nos  transformando  em  gente!

A história da Canjica

A HISTÓRIA DA CANJICA

                              
                                            Conto
                                                 Maria de Lourdes cardoso Mallmann
                                       
                                               
Desde menina eu costumava comer canjica nas noites frias, no aconchego da cozinha de fogão a lenha, onde a nossa família se reunia e os pratos de canjica eram servidos, quentes, saborosos.  Era canjica com açúcar, canjica com leite, e a minha preferida era canjica com vinho.
        Enquanto ao redor da mesa e do fogão comíamos, minha mãe passava as roupas da casa e contava  os acontecimentos do dia e “causos” de antigamente, que nós ouvíamos extasiados.
        Muitos anos depois, já casada,  com dois filhos, morando em outra cidade, lembrava-me seguidamente da canjica que me parecia uma coisa que tinha ficado no passado, como os meus sonhos de adolescente, até que um  dia ao voltar à tardinha do Grupo Escolar onde trabalhava como professora primária, passei pela casa da minha sogra , que era ao lado da minha, e senti o cheiro inconfundível de canjica.
-         Canjica?  Perguntei incrédula a mim mesma .
           Entrei na cozinha  e levantei a tampa da panela para certificar-me, quando Dona Julia falou:
        - Estou acabando de cozinhar.
        - Faz anos que eu não como canjica.
        - Venha mais tarde. Em pouco tempo estará cozida e pronta para servir.
Fui até minha casa, dei banho nos meninos e esperei meu marido chegar do trabalho, ansiosa para contar-lhe que iríamos á noite comer canjica na casa dos seus pais.  Quando ele chegou não pareceu muito entusiasmado com a notícia e até estranhou a minha expectativa.
        - Toda essa alegria por causa de uns grãos de milho?
        - Ora, não seja chato, vamos lá sim. Tua mãe está nos esperando... e eu dizia para as crianças :
        - Vocês vão comer uma comida muito gostosa que a vovó fazia, vão adorar!
Depois da janta, como combinado, fomos até a casa dos meus sogros. O cheiro da canjica enchia a casa de odores.  Sentamos ao redor da mesa, conversando alegremente, enquanto os pratos fumegantes eram servidos, mas fiquei decepcionada quando as crianças experimentaram  e não gostaram.  Mas nada impediu que eu comesse e me fartasse.
        - Não sabia que gostavas tanto de canjica, disse minha sogra,  nunca vi cozinhares na tua casa.
        - Nunca  cozinhei mesmo. Até nem sei porque. Acho que até havia esquecido que gostava tanto, até sentir  esse  cheiro gostoso, e voltar a ter vontade de comer.
        - Vou pedir para o Amadeu trazer do mercado para teres em casa.
        - Ótimo, estava mesmo pensando em comprar.
 Naquela noite até não dormi muito bem porque exagerei um pouco, mas em compensação sentia-me contente como se um pouquinho da minha infância tivesse retornado.
        Passaram-se alguns dias e num sábado à tarde estava tomando banho quando a minha sogra entrou em casa  e indo até a porta do banheiro falou:
        - Estamos voltando do mercado agora. Trouxemos a tua canjica. Deixei em cima da mesa da cozinha.
  ­      - Obrigada, já estou saindo.  Não querem esperar ?
        - Não, voltamos depois para tomar um chimarrão.
Saí do banheiro e fui até a cozinha e lá estava um saco de mercado com os famosos grãos amarelinhos. Era uma tarde fria. Meu marido tinha saído com os meninos para jogarem futebol numa  quadra esportiva perto de casa. O fogão a lenha, que tínhamos comprado há pouco, estava com a chapa reluzindo  e o fogo crepitando alegremente, envolvendo a casa toda num calorzinho delicioso.
- Está o clima ideal para a minha canjica, pensei comigo mesma, e à noite, já poderemos comê-la ao redor do fogo, como fazíamos na casa de minha mãe. Essa lembrança me pôs tão feliz que, sem titubear, passei a mão numa panela e despejei nela o saco de grãos. Coloquei água e pus no fogo, que avivei com mais uma acha de lenha.
 Andei pela casa arrumando uma coisa e outra e, de repente, ouvi alguma coisa chiando...
- tchiii...tchiiii...
 Era no fogão. A canjica havia crescido um pouco e a água estava derramando. Apanhei outra panela e despejei a metade dos grãos e tornei a pôr no fogo.  Em poucos minutos, pois a fogo era forte, tornei a ouvir os chiados:
-         trchiii...tchiiii...
       Corri lá e me assustei.   As duas tampas das panelas estavam levantando e os grãos, já inchados, quase saltando para fora.  Abaixei-me e procurei no balcão da cozinha uma panela maior. Não tinha nenhuma maior do que as que já estavam no fogo, então peguei uma média e dividi a canjica, um pouco de cada panela e pensei:
- Agora vai dar certo!
       Não passou muito tempo e as três panelas regurgitavam canjica. Parecia o milagre da multiplicação dos pães. Comecei a entrar em pânico! O que fazer?  Não havia mais panelas médias ou grandes. Só a leiteira... Foi pensar e, num segundo a leiteira estava cheia de grãos  a borbulhar festivamente!... Aliás, agora eram quatro panelas a borbulhar festivamente!...
       A essa altura eu já não saia de perto do fogão esperando para ver se o problema estava resolvido e rezando para que ninguém chegasse e visse aquele horror de grãos levantando as tampas, que não conseguiam ficar no lugar.
       A casa cheirava à canjica desde o portão de entrada até a área de serviço, mas dessa vez eu não achei maravilhoso aquele cheiro, e me perguntava:
- O que será que eu fiz de errado?    Na verdade eu nunca perguntei a ninguém como se cozinhava canjica. Nunca tinha prestado atenção àquele “modo de fazer”, e nem de leve eu suspeitava que ela crescesse tanto quando cozinhava.
       Felizmente, meu marido demorou a chegar e deu tempo do cozimento acabar, com uma ajudinha  que eu dei, despejando uma panela inteira  no vazo do banheiro e puxando a descarga,  para não deixar sinal e voltando a encher a panela com o excedente das outras.
 As quatro panelas agora finalmente, estavam calmas, mas cheias até as bordas de uma deliciosa canjica, que eu odiei!
       Nisso ouvi vozes que se aproximavam e percebi que eram os meus sogros que chegavam pelos fundos da casa. Iam entrar pela cozinha, o que fazer? 
       Sem pensar duas vezes escondi três panelas de canjica dentro do balcão, deixando apenas uma em cima do fogão.  Foi o tempo de fechar a porta do armário e eles estavam lá, admirando a panela sobrevivente da catástrofe de grãos.
   -Já cozinhaste um pouco?  Perguntou Dona Júlia, olhando a panela.
  - É, resolvi fazer!...
  O meu sogro então falou:
 - Agora tu tens canjica para muito tempo, pois eu trouxe três quilos!
        Tarde demais!




Destruição

                       CONSIDERAÇÕES


                                              Maria de Lourdes Cardoso Mallmann

                            D E S T R U I Ç Ã O

   Da janela do andar de cima  da minha casa eu assisto a demolição de uma casa velha...
  O barulho ensurdecedor da máquina entra em meus ouvidos assim como  a máquina pesada e deselegante entra pelo terreno e vai derrubando tudo  que encontra pela frente.
   A força dos motores exerce uma atração forte e eu não consigo deixar de olhar para as pás que escavam, derrubam, juntam e recolhem os escombros. Em  poucos minutos está tudo no chão destruído, esfacelado , acabado !
   Ponho-me a pensar na rapidez com que tudo aconteceu e comparo a destruição do prédio com a destruição do homem, do ser humano, com a destruição da integridade pessoal, a destruição profissional, a falência e até a própria vida.  Foi tão longa a criação, a formação e é tão rápida a sua destruição.
   Quando alguém constrói sua casa, um prédio, uma loja o faz da melhor maneira possível. Gasta até o que não tem para que a obra seja um sucesso, para que fique perfeita ou quase... O trabalho é de meses, artesanal, tijolo sobre tijolo, massa, ...tudo é medido, controlado e a construção vai se fazendo para alegria e orgulho do proprietário.
   Quando se criam filhos, acontece o mesmo. Uma criança é feita e sua Educação é construída, dia após dia....os cuidados vão se fazendo, as alegrias vão se somando, os medos , dúvidas vão se dissipando e as ansiedades vão dando lugar à certeza de um futuro promissor e feliz.
   O Prédio fica pronto, é inaugurado, ocupado enche-se de vida e de negócios bons...
   Um filho ou filha se torna adulto, constrói sua família, abre seu próprio negócio e o sucesso  parece ser permanente.
  É então, que surge a máquina assustadora e terrível da destruição. Pode Ter muitos nomes, pode ter muitas causas, mas as conseqüências são desastrosas.
  Essa máquina, assustadora destrói pessoas humanas, famílias, lares, destrói esperanças e sonhos...
   A destruição acontece e em poucos minutos todo um trabalho de criação se perde.
   É difícil ver um sonho destruído...
   É difícil ver um filho fracassado...
É difícil vermos máquinas destruindo e sermos impotentes em detê-las.
    Mas... o tempo passa e em breve se vê da mesma janela, que uma nova obra começa a ser construída sobre os escombros.  O coração se anima !
   A Reconstrução acontece...!
   Há uma esperança de que as pessoas também possam se reconstruir !
   É preciso acreditar!
       

domingo, 20 de março de 2011

                 MEU   PERFIL



Nome  -  Maria de Lourdes Cardoso Mallmann  ( Mariazinha )

Data de nascimento  -  12 de janeiro de 1939

Filiação  - Vicente Theodomiro Cardoso  e Clotilde Assumpção Cardoso

Naturalidade  -  Santa Rosa   RS

Profissão  -   Professora de Filosofia, Sociologia, História.
                     Professora  de  Dança  Infantil.
                     Escritora  e Poetisa

Casada com -  Alceu Ambros Mallmann  em 28  de  Dezembro  de 1957 há 
53 anos

Filhos  -   7 filhos  - Rubem Antonio residente em Cidreira
                                 Mauricio  residente em Itapema 
                                 Bernadete   residente em Itapema
                                 Adalgisa residente em Itapema
                                 Rogério residente em  Porto Alegre
                                 Graziela residente em Itapema
                                  Cristiane residente em Porto Alegre
    Todos casados.   15 netos  2 bisnetos.

Como se define  -  Uma mulher dinâmica , sentimental e guerreira.

Sua principal marca  -  A alegria de viver.

Seu defeito  -   A teimosia  e  exigir perfeição no que é feito.

Uma lembrança feliz  -  Minha infância.

Uma triste recordação  -  Mágoas passadas  e decepções.

Saudade  -  Dos que já partiram...

Desejo  -   Ver todos os filhos  realizados e felizes.
Largaria tudo para... -   Nada no Mundo me faria largar tudo que construí nestes anos todos.

Livro que leria novamente  -   “ Como era verde o meu vale “  do escritor inglês  Richard Llewellyn, que narra a saga de uma família de mineiros do  país de Gales  cheia de funda e humana poesia. ( é difícil deixar de mencionar outros maravilhosos como “Os Catadores de Conchas” , “ A chave de Sara” e tantos outros )  Penso que todo o livro deixa uma lembrança boa e acrescenta algo na pessoa que o lê. 

Família  -  É o bem mais precioso que possuo e dou graças a Deus pela família
                que tenho

Religião preferida  -  Sou católica mas tenho meus próprios conceitos e princípios espirituais.

Motivo para sorrir  -  Meu trabalho  de  Dança com as crianças.

Morte -  É chocante mas necessária e inevitável.

Medo -  Tenho medo quando as coisas fogem do meu controle.

Sente feliz  quando -  Sinto-me feliz quando consigo atingir os objetivos a que me propus.

Flor  -  Rosas principalmente  pelo seu perfume.

Praia ou Montanhas -  Ambas, na praia vejo a liberdade e nas montanhas  sinto o mistério do desconhecido.

Animal preferido -  Pássaros, adoro ouvi-los e  vê- los voar pelo espaço infinito.

Sou apaixonada por -  LIVROS

Um amigo -  Meu esposo Alceu, companheiro de tantos anos.

Foto que colocaria no porta retrato preferido –  Minha família toda porque são a razão de minha vida.

Uma cidade -  Itapema

C ôr -  Aprecio as cores suaves

Música  -  Clássica , que me faz sonhar e me transporta à mundos imaginários.

Brasil  -  Um País maravilhoso  mas com falta de políticos sérios que o possam administrar.

Itapema -  Uma cidade que escolhemos por opção e que possui fluídos de qualidade de vida.

Um Homem  -   Pela autenticidade, Renato Aragão que com alegria e fazendo rir, se dedica  a uma das mais nobres causas que é a busca da felicidade infantil.

Uma mulher  -  Minha mãe, pela grandiosidade de ser simples.

Um ídolo -  Meu pai, pela sabedoria em me ensinar a viver e amar a vida.

A quem daria o maior prêmio do Mundo -   A quem conseguisse a Paz Mundial.

Hobby -    LER , ESCREVER E COMPOR.

Seu vicio  -  Falar demais...

Sua virtude  -  Ser otimista e persistente.

Mensagem  -  A vida é uma dádiva divina e  vive-la com alegria e aceitação é a maneira mais certa de retribuição.
                                
                         


                 Itapema ,  20 de Março de 2001

terça-feira, 15 de março de 2011

A vida com ela é !

Todos nós temos momentos de intensa alegria e prazer, mas temos também momentos de dor, tristeza , medos e experiências dolorosas. Há  6 meses vivi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Sempre fui auto suficiente, independente sobre o que decidia fazer, não esperava por ningúem, estava sempre pronta para enfrentar qualquer situação e de fato enfrentei muitas, mas a vida me passou uma rasteira para me mostrar que as coisas não são tão fáceis assim. De repente adoeci gravemente. Fui submetida auma cirurgia de urgência, complicada com graves riscos. A familia foi alertada enquanto eu me consumia em dores, dúvidas e medo do que não sabia. Feita a cirurgia me descobri com uma bolsa de colostomia em meu corpo e senti então num primeiro momento uma agressão violenta na minha privacidade, no meu ser, no meu comportamento dali por diante. Sofri muito pela necessidade de ajuda constante, pela descoberta da inutilidade de tantas coisas consideradas importantes, pela incapacidade de me administrar sozinha, e até pela humilhação  de me sentir exposta na minha intimidade física. Mas....o tempo foi passando e o que era uma agressão se tornou uma provação talvez um resgate, uma forma de me tornar uma pessoa que passase a ver a vida de uma outra forma, que valorizasse mais a familia e os amigos, que foram tantos ........
   Hoje após nova cirurgia de reposição estou normal fisicamente mas minha visão de mundo sofreu uma transformação no sentido de priorizar ainda mais os grupos familiares, de valorizar pequenos gestos,  de sorrir e confortar aqueles que sofrem e tem dificuldades, de me dirigir a Deus de uma maneira diferente não através de palavras repetidas de uma oração mas de uma conversa franca, abrindo o coração para que ele enconte passagem e veja por ele mesmo as minhas necessidades.
  Sou uma nova mulher e meu sofrimento em todos esses meses foi uma benção que eu agradeço pois  a  vida como ela é , é o caminho certo, que nos leva,  as vezes como um turbilhão,  ao lugar em que realmente devemos estar !

domingo, 27 de fevereiro de 2011

 

 

O  RETRATO  DA    PAREDE


   

Maria de Lourdes subia lentamente os degraus da escada que levavam a seu quarto no andar de cima. Estava cansada e uma inquietação tomava conta dos seus pensamentos.  Sentia-se desanimada, triste, decepcionada. Eram tantos problemas, tantas coisas erradas, tanta incompreensão... A vida lhe parecia agora, com o passar dos anos, um tanto sem sentido, sem razão de ser... Os filhos crescidos, casados, os netos aparecendo mas haviam muitos problemas que toldavam a felicidade que deveria haver.
        Para que lutar?...   Por que  não ter paz?   Tinha até perdido a vontade de viver. 
        De repente parou!  Sentia-se paralisada. Parecia estar presa ao chão sem poder mover-se... Ouvia vozes distantes a princípio, mas foram ficando mais audíveis e agora estavam ali bem ao seu lado.  Virou-se e viu!....  Na parede ao lado da escada havia algumas fotografias e entre elas um retrato antigo da sua família, tirado há 58 anos atrás na casa dos seus pais.  Na foto estavam os dois irmãos, os pais, ela e as quatro irmãs.  Os pais e um irmão já tinham morrido e os outros viviam em outras cidades. 
          Era daquele  retrato da parede que vinham as vozes que ouvia. Olhou fixamente e viu que todos  mexiam os lábios falando ao mesmo tempo, mas ela não conseguia entender o que diziam.
            Perplexa, vendo aquelas pessoas, que estiveram ali no retrato  imóveis há anos, parecendo agora  estarem possuídas de uma energia incomum e desejando falar  e manifestar-se.
            Ouviu nitidamente a voz de seu pai, pondo ordem:
            - Calma   pessoal !  Cada um fala na sua vez. Vamos iniciar  pelos que ainda estão aqui  e vivem  nesse planeta.  Depois falamos nós que já partimos. De acordo?
           Todos concordaram com um murmúrio e o pai então continuou:
            -Começamos pela caçula. Vera Maria pode falar.
 Maria de Lourdes parada no meio da escada, com os olhos arregalados,  fixos na imagem do seu pai, só desviou o olhar quando sua irmã mais nova, com quem havia falado há poucos dias pelo telefone, se movimentou no retrato.
-  Oi querida, disse ela.  Estás  surpresa?  Percebe-se!...  Só quero te dizer que te quero muito bem e até desculpar-me,  pois quando éramos crianças foram muitas vezes que eu  me aproveitava por ser a menor, para tirar certas vantagens de nossos pais, e te passar para trás.  Mas agora a vida me ensinou tantas coisas. Nada é assim tão fácil e não se consegue ludibriar o destino.  Mas, sou feliz sabias?  Sou feliz do meu jeito, a minha maneira, com as dificuldades financeiras que sabes que tenho, sou feliz porque tenho forças... Porque acredito...    Sinto saudades do passado, mas luto no presente para que meus filhos possam ter  sucesso e viverem melhor. Tu tens me ajudado com exemplos e persistência...
- Chega...chega  já falou muito, dizia a outra irmã Stella .
Maria de Lourdes olhou para a fotografia e via a irmã gesticulando . O cabelo cortado com franja, que ela não gostava e prendia para os lados, fazia o seu rosto redondo parecer ainda mais cheio.
            - Detesto estar com esse uniforme do colégio. Não sei  porque a mãe colocou em nós duas esse uniforme para fazer essa fotografia.  A Verinha está de vestido de festa e nós desse jeito.  Mas não era isso que eu queria falar e sim das leituras maravilhosas que tenho feito sobre a vida depois da morte. Sei que gostas muito de temas espirituais Tenho lido coisas sobre o que existe realmente do outro lado, e fazendo um sinal com os olhos apontava  para o pai,  a mãe e o irmão, já falecidos  e dizia baixinho : “eles já sabem”.  Olha só, Maria de Lourdes, nossa vida aqui é um exercício, que se for bem feito, nos abre passagem para outras oportunidades, menos sofridas do que esta.  Poderia ficar te falando do que tenho lido, mas o mano Cícero já está me beliscando que é a vez dele. Mas eu volto a falar qualquer dia!
- Oi mana!  È Cícero.   Que bom falar contigo. Não repares muito nessa roupa esquisita que estou vestindo. Não entendo porque não estou de calças compridas, afinal olha só o meu tamanho e ainda com essas pernas finas e compridas.  Mas eu quero mesmo é dizer que te amo muito e te admiro porque és muito parecida comigo. De novo estou falando de mim  mas eu me acho importante e zelo pelo meu bem estar e da minha família. Meu cabelo também não está muito bem nessa fotografia, mas tu sabes que eu sou  mais bonito. Um beijo mana e te  cuida !
           Maria de Lourdes já mais tranqüila e adorando ouvir sua família, que estava se mostrando com suas fraquezas, virtudes, culpas e angústias, temia interromper aquele colóquio e não se mexia do lugar.
            -  Ei, agora sou eu, a Ruth. Não podes deixar de lembrar o quanto eu cuidei de ti, lembras?   Eras muito  linda e a mãe te vestia de azul e branco  por causa de uma promessa, mas eu é que tinha de te carregar pra lá e pra cá.  Mas valeu, aprendi muito com isso e depois pude aplicar esses conhecimentos com os meus filhos. Tudo certinho,  muita responsabilidade, muita fé, muita oração. É assim que a vida deve ser vivida. Acho que ficamos muito ligadas e às vezes me pareces minha filha e não irmã, sabias?  Deus está atento as  tuas necessidades é só pedir.
Maria de Lourdes ficou pensando no que ouvira da irmã. Ela também às vezes pensava  assim.
-  Muito bem , finalmente chegou minha vez. Sou eu,  a Themis a irmã mais velha mas muito inteira ainda !  Na verdade nestes dois últimos anos tive um baque grande e sofri uma perda enorme com a morte do meu marido,  mas sei que a vida é feita de perdas e de ganhos. Deves saber disso também.  Essa fotografia em que estamos todos fui eu quem te dei, lembras?  Eu a adoro porque mostra quanto nossa família  foi perfeita. Fizemos tudo o que tínhamos o direito de fazer, tivemos pais maravilhosos, vivemos dias inesquecíveis e sempre nos mantivemos unidos o que é mais importante. Estou muito bem com os meus filhos. Não te preocupes comigo e não descuides de ti.
  O pai de Maria de Lourdes,  com voz emocionada falou:
-  Agora é a nossa vez, nós que já partimos e queremos falar também a ti filha muito amada. É você primeiro filho.
Maria de Lourdes agora com os olhos cheios de lágrimas tentava reprimir os soluços.
         -  Pois é, sou teu irmão mais velho o  Flávio, cadete, oficial, coronel, general... Fui tudo isso e agora estou aqui e feliz. Tenho pouca coisa a dizer. Estou bem, me preparando para uma nova missão consciente dos erros que cometi, das vezes que falhei, principalmente com relação aos meus familiares.  A família, querida irmã, é um bem inestimável e nada pode ser mais importante.  Quando ela é desconsiderada as conseqüências serão inevitáveis e desastrosas. Tua família é teu porto  seguro.  Zela por ela, faça teus filhos compreenderem o seu valor e tua vida terá valido a pena.  Seja muito feliz!
Maria de Lourdes já não continha a emoção. Ouvir a voz do irmão morto há tantos anos, com o mesmo jeito tímido de falar foi demais para seu coração.
- Quem fala agora, Tida, eu ou você ?
-   Falo eu, Vicente ! disse a mãe.
Maria de Lourdes não tirava os olhos do rosto de sua mãe, tão bem vestida com aquela gola branca de organza plissada sobre o vestido preto, a postura das mãos segurando a bolsa, o cabelo muito bem arrumado com bom gosto, tudo muito discreto.
-   Filha, disse a mãe, não fiques triste por nós. Teu pai e eu estamos felizes ajudando a quem precisa, orientando os que estão sem rumo. Estamos orgulhosos de vocês todos. Vimos teu irmão Flávio seguidamente, ele também presta serviços importantes e se prepara para uma viagem distante.  Nosso trabalho aí não foi em vão. Vocês estão  fazendo a sua parte, como nós fizemos a nossa. Tens sido uma boa mãe. Não te culpes  pelo que não deu certo. Existem coisas que não podemos interferir e nada pode ser perfeito neste plano que estás. Não desanimes, teu caminho é lindo. Siga em frente com a minha benção!
-  Minha  mãe...falou   baixinho Maria de Lourdes, ...minha  mãe...
-  Muito bem, agora falo eu... o pai.... Filha querida!  Parabéns pelo que tens feito. Tenho acompanhado teu trabalho literário, teus ensaios, tuas crônicas. Estás no caminho certo. Não desista.  O sucesso não chega rápido. Ele se faz esperar, é caprichoso, é fruto de persistência, requer paciência. O que vale é a tua vontade de escrever...Escrever o que deve ser escrito. O que vale é a mensagem que passas e que atinge os que te cercam e os que te lêem. O que vale é o que sentes e o que expressas, é o que eu sempre fiz e continuo te ajudando a fazer, com a permissão do  Pai!  Siga em busca de mais conquistas, estaremos junto sempre, porque somos um só.
            Maria de Lourdes, tensa e estática, evitava até de piscar, para não perder nada, não deixar de ouvir nenhuma palavra.
            Então ouviu uma voz, que conhecia bem, a sua própria....mas não vinha dela e sim do retrato.
- Eu também falo. É um direito meu! 
             Todos riram.
 Devias te sentir envergonhada, como eu estou,  por ti.
- Por quê, balbuciou Maria de Lourdes, fitando a si própria, quando criança, no retrato.
- Não vês como tens motivos para ser feliz ?  Não ouves o que todos dizem?  Não percebes a alegria ao teu redor?   Não reconheces que Deus te deu, como filha e irmã, uma família exemplar, e agora como mãe, filhos maravilhosos, netos lindos e saudáveis?  Se isso não for o suficiente, que tal falar do teu marido, das tuas oportunidades, dos teus amigos e das vezes que eu, criança, me manifesto em ti, fazendo  que te entusiasmes, que brinques, que dances ?  Pense nisso e não te deixes mais abater por  pequenos ou grandes problemas, que fazem parte do  jogo da vida. Superá-los é como comer, uma a uma, as pedras do xadrez e, finalmente vencer!  As dificuldades estão ali, no tabuleiro da vida. A arte  e o mérito é  transpô-los e você pode fazer isso.
            Um barulho tirou Maria de Lourdes daquele estupor. A seus pés espatifou-se, em mil pedaços, o retrato que estava pendurado na parede. Jazia em cacos....
             O que teria feito o retrato cair?  Teria adormecido?....Sonhado?.....Por que estava sentada nos degraus na metade da escada?... E as vozes?
            Lentamente juntou os pedaços de vidro e olhou para a fotografia que tinha nas mãos.  Seria impressão sua, ou estaria mesmo vendo em todos os rostos um sorriso enigmático, que nunca vira antes, com um certo ar de  cumplicidade !....
      Respirou fundo, pensando em tudo que vira e ouvira, e subiu os degraus que   faltavam, apertando contra o peito, o retrato antigo.
            Sentia, de repente que era uma nova mulher, sem queixas, sem pena de si mesma, sentindo-se amada, feliz, e consciente do  que tinha de fazer !















As Pedras

                             AS      PEDRAS



         Carlos Drumond de Andrade compôs um belo poema intitulado “A pedra no meio do caminho” que reli há poucos dias. Dessa reflexão surgiu a idéia desse comentário , porque uma pedra no nosso caminho é coisa comum e ao mesmo tempo tem uma grande importância.
         As pedras estão lá, muitas vezes nos atrapalhando, nos fazendo mudar de direção, nos desviando da trilha escolhida, nos impedindo de passar...
         A pergunta que se faz é: “O que fazer com essas pedras”?
         Existe uma lenda que diz que um rei uma manhã olhou pela sua janela e viu uma enorme pedra no meio da rua e pensou. –“ se ninguém remover a pedra terei que mandar um soldado fazê-lo.” A tarde a pedra ainda estava lá e ele observou que as pessoas desviavam dela, mas ninguém a retirava.
        Durante a noite o Rei foi até lá.
        No dia seguinte colocou-se a  janela e viu diversas pessoas, que passavam mas ninguém se preocupava em tira-la dali. Quase a noite, ao entardecer, viu se aproximar da pedra um carroceiro humilde que com um tremendo esforço, com a ajuda de cordas e de seu cavalo conseguiu tirar a pedra do meio da rua. No momento que isso aconteceu o carroceiro percebeu  surpreso que embaixo da pedra havia uma carta do Rei,  e nela havia uma recompensa em dinheiro para quem removesse a pedra.
         Nós sabemos que não existe dinheiro embaixo das nossas pedras,  mas depende de nós, faze-las ter  alguma utilidade.
         Davi, o personagem bíblico, usou uma pedra para matar o gigante Golias e com esse ato ficou na história.
        As pessoas distraídas costumam tropeçar nas pedras criando ferimentos em seus corpos,  enquanto os homens do campo usam as pedras como assento para descansar  As vezes fazem delas cercados que dividem  ou  unem ,  que abrigam e protegem seus animais.
         Um escultor se encanta ao encontrar uma pedra que lhe sirva de matéria prima para fazer suas esculturas enquanto o construtor usa as pedras para sua construção e decoração.
         Muitos de nós ao encontrarmos uma pedra no nosso caminho, recuamos e desistimos do que planejávamos fazer sem nos dar conta de que essa pedra pode ser a indicação de uma nova estratégia para conseguir o que queríamos.
         O que faz a diferença nas pedras  que nos atravessam não são propriamente as pedras, mas o significado delas, a forma como as  pessoas reagem diante desses obstáculos.
         Uma pedra sempre é uma pedra mas um homem  ou uma mulher nunca são iguais e  a maneira como cada um transpõe, desvia ou retira a pedra do seu caminho é o que faz a diferença.
         Diante das dificuldades da vida,  é que  se dará a cada um o mérito de ter vencido a pedra ou de ter sido subjugado  por ela.
         As pedras na verdade são os fatores do nosso crescimento pessoal e a maneira como lidamos com elas, a forma como as vemos  e as possibilidades do que poderemos fazer delas é uma opção nossa.
         Seja qual for a pedra ou o tamanho que ela tiver, façamos dela um instrumento,  para que sejamos melhores a cada dia que passa.